May 26, 2004

SOBRE POSICIONAMENTO E A MENTE DO CONSUMIDOR







A actual campanha da marca Flora tem merecido alguns comentários no meio sobre a sua estratégia de re-posicionamento: "Flora (para além de manteigas) também tem ...". Uma observação pertinente e interessante foi feita pelo João Pinto e Castro que nos diz: "Quando uma marca tenta significar muitas coisas ao mesmo tempo (ou, pior ainda, várias categorias ao mesmo tempo), o mais provável é que o consumidor, que tem mais que fazer do que estudar os anúncios, não entenda nada. Esse é um dos perigos das extensões de marca".

A Flora é claramente uma marca com uma identidade monolítica, isto é, a Flora actualmente posiciona-se como uma 'umbrella brand' onde debaixo dela o consumidor pode encontrar vários categorias de produtos desde a original "manteiga" ao "creme vegetal", "creme lácteo" ou "doce para barrar".

Antes de fazermos qualquer tipo de juízo de valor ou opinarmos se esta é uma boa ou má estratégia por parte da Fima/Unilever devemos tentar perceber como funciona o mecanismo mental de avaliação e escolha de uma marca por parte do consumidor.

Os marketeers e publicitários desejam sempre que os consumidores dêem prioridade e que pensem nas suas marcas. No entanto, os consumidores apenas pensam nas mesmas (pelo menos de forma consciente) quando têm necessidade de tomar decisões de ponderação e de compra final. Quando isto acontece o consumidor cria uma espécie de agenda mental onde as marcas são sempre associadas uma categoria de produto.

O consumidor mentalmente quando se desloca a um supermercado (por ex.) já tem algumas alternativas delineadas para cada categoria de produto: "Preciso de comprar papel higiénico, que marcas é que conheço? Scottex? Renova?". Ou seja, o consumidor quando pensa numa marca associa-a sempre a uma dada categoria. Assim ao chegar ao ponto de venda, o consumidor já sabe que se quiser comprar uma embalagem de manteiga ele pode procurar nesta categoria, marcas tão diversas como: Agros, Vigor, Planta, Milhafres ou inclusivé Flora (aqui a publicidade tem uma importante influência no chamado 'brand recall' e na construção da 'agenda mental' do consumidor). Do mesmo modo, se o consumidor quiser comprar uma embalagem de doce que alternativas conhecidas nesta categoria ele pode ter? Talvez uma marca como a Casa de Mateus ou uma Hero e ... uma Flora, porque não? Actualmente e no mercado de FMCG (fast moving consumer goods) português a categoria dos doces/compotas ainda não é uma categoria saturada. Tal como Al Ries e Jack Trout observaram, na mente do consumidor há sempre espaço pelo menos para 2 marcas concorrentes, que competem entre si por um pedaço de "share of mind".

Obviamente, a actual variedade de manteigas/cremes para barrar e doces pode causar alguma confusão inicial ao consumidor que há-de sempre associar Flora a uma marca de manteiga. Este é um dos grandes desafios que marcas com identidades monolíticas acabam por ter de enfrentar quase sempre. Por exemplo a Virgin do Sr. Richard Branson é uma das marcas monolíticas de maior sucesso global e com uma oferta de produtos e serviços que variam do transporte aéreo, ao vodka, à cola ou à música. Parece confuso? O segredo da Virgin apesar desta miscelânea está no seu posicionamento que passa pela imagem de irreverência, de inovação, de coolness, pela forma como o produto/serviço é oferecido e experimentado pelo consumidor. Por outro lado também temos marcas monolíticas que espelham a confusão na mente dos consumidores ao oferecerem uma quantidade de categorias de produtos em nada complementares.

[Uma nota final]:
Mesmo assim torna-se mais 'complicado' re-posicionar novas extensões de linha de produtos que têm um baixo grau de envolvimento por parte do consumidor, como é o caso dos bens de consumo primários ou FMCG. Porque a sua compra costuma ser habitual e não considerada. Ou seja, as pessoas quando vão aos super-mercados tentam não perder tempo com as suas compras e normalmente prestam pouca atenção às novidades que se 'alojam' sob uma mesma marca/nome. Já as marcas monolíticas mas que envolvem uma decisão de compra mais informada e considerada (como uma compra de um automóvel, por ex.) têm outra facilidade em comunicar diferentes categorias (por ex. Hyundai com os automóveis, máquinas industriais e outros bens que requerem maior consideração, atenção e informação por parte dos consumidores).

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