February 15, 2004

"Nation Branding": Uma introdução




"Little countries think of big countries all the time, but big countries don't think about little countries" - Wally Olins


Numa economia cada vez mais globalizada, as nações competem umas com as outras, mais do que nunca para se posicionarem como centros alternativos de investimento estrangeiro e como destinos turísticos preferenciais. A ideia de nation branding não é nova. No entanto, a mesma tem gerado um enorme interesse recentemente com países como os EUA, Alemanha, Portugal, Reino Unido, Polónia e outros, a procurarem a ajuda de especialistas com o objectivo de construirem e comunicarem uma identidade marca forte para os seus países.

Os manuais ensinam-nos que ao conceito de “branding” está subjacente o somatório das diversas formas como uma organização comunica, diferencia e se simboliza a si própria perante as suas audiências. “Nation branding” não é mais do que utilizar os mesmos principios, só que aplicá-los a um país inteiro e comunicá-los a duas audiências distintas: os seus habitantes e o resto do mundo.
Cada país tem uma marca, e a sua marca é definida pelo seu povo, o seu tempero, a sua educação, os seus valores, as suas acções, o seu aspecto, etc. Por exemplo, tentar “vender” a imagem do povo alemão como sendo flexível, com garra e emotivo é capaz de convencer muito poucos. Como tal, mudar a percepção e imagem de um país não é nada fácil, principalmente quando os objectivos finais são: o aumento das exportações, a captação do investimento estrangeiro e a promoção do turismo local. E ainda mais díficil se torna, quando cada uma destas áreas chave (investimento, turismo e exportações) estão representadas por organismos fragmentados e pouco coordenados entre si, que enviam mensagens dispares para o exterior.

O QUE ELES TÊM FEITO LÁ FORA

Inglaterra
A Inglaterra ainda é percepcionada como um País de icones tradicionais como a Família Real, o Buckingham Palace ou o Big Ben, o que é óptimo para atrair turistas. No entanto a realidade inglesa é bem mais do que isso - Inglaterra hoje em dia é um dos maiores exportadores de "youth culture". A cidade de Londres é um autêntico cluster dinâmico de artistas, designers e músicos dos quatro cantos do mundo. Num interessante artigo na revista Fast Company, Geoff Mulgan um ex-spin doctor de Tony Blair explica-nos o conceito por detrás do "Cool Britannia".

Escócia
A Escócia criou em 1994 a Scotland the Brand "it's a great brand so use it" - com o intuito de promover os valores distintos das suas marcas nos mercados nacional e estrangeiro.

Espanha
De acordo com Wally Olins Espanha é o caso de maior sucesso recente de “nation rebranding”. Em 1975 Espanha era vista como um país pobre e isolado, produto de um regime autocrata e avesso à abertura. Depois da morte de Franco e com a adesão à União Europeia, a Espanha mudou drásticamente não só na realidade como também na percepção que as pessoas tinham dela. A simbolo do sol de Joan Miró (adoptado por Espanha nas suas campanhas promocionais), os filmes de Almodovar, os edíficios de Calatrava, a presença global de marcas com a Zara, a Seat e a Repsol têm contribuido para uma imagem sólida, reconhecida e respeitada por todos.

Filândia
A Finlândia este ano vai implementar uma campanha para melhorar a sua imagem como centro de inovação tecnológica com a esperança de melhorar as suas empresas de IT e Telecomunicações (Nokia) a terem uma ainda maior aceitação no mercado norte-americano.

América
Até recentemente, o governo norte-americano recorreu aos serviços de uma agência de publicidade com o objectivo de tentar vender a imagem da América no Médio Oriente. Tal missão revelou-se um falhanço, porque como nos diz Jennifer Aaker (Stanford University): “as nossas políticas não era vistas como pró-Médio Oriente. Falhámos ao não conseguirmos compreender os media, a cultura e até a linguagem daquela região”. Para Wally Olins a América actual com as suas imagens de democracia, liberdade e oportunidade confundem-se igualmente com imagens de vulgaridade, junk food (McDonald’s e Coke) e inovação tecnológica (Microsoft, Intel e Boeing).


O QUE NÓS PODEMOS FAZER CÁ DENTRO

"Cumpriu-se o Mar ... falta cumprir-se Portugal" - Fernando Pessoa

Sobre as nossas marcas:
Diz-nos Simon Anholt que um dos atributos particularmente importantes para as marcas globais é a influência que o país de origem exerce sobre a percepção do consumidor. A percepção da origem de uma marca pode-lhe acrescentar ou diminuir valor. Ninguém duvida do valor de relógios da Suiça, vinho de França, automóveis da Alemanha, produtos electrónicos do Japão ou roupa de Itália. No entanto, tal como Al Ries observa: “Será que relógios da Albânia, vinho da Polónia, carros da Turquia ou roupa de Portugal, teríam as mesmas percepções?”

Cada País tem as suas próprias percepções e as pessoas identificam-nas através de imediatos USPs (Unique Selling Proposition ), por exemplo: a França é associada a uma imagem e ideia de luxo e qualidade de vida; Itália é associada a estilo, design e sensualidade; a Alemanha é sinónimo de qualidade e fiabilidade; a Escócia tem uma imagem de robustez; etc. O local de origem, de proveniência de um produto é de tal maneira um poderoso elemento no equity de uma marca, que se torna comum para algumas empresas “disfarçarem” a origem dos seus produtos se isso lhes criar associações mais positivas e ajudar a vender.

No entanto, também é interessante observar que que marcas globais como a Nike, IBM, Mattel e a Sony não têm problemas em vender os seus produtos com etiquetas “Made in Vietnam” ou “Made in Thailand”. Porque sabem que os consumidores acreditam na promessa e no benefício da marca independentemente do local de fabrico. Os valores de “qualidade”, “confiança” ou “durabilidade” já estão associados à marca, que por sua vez foram associados a priori à sua “country brand”. Os consumidores pensam: “Ok, este produto foi feito na Tailândia, mas a marca é americana”- os seus valores estão incutidos nela independentemente se foram fabricados no continente Asiático ou não.

País de Origem vs País de Fabrico
É interessante observar que cada vez mais as marcas estão-se a tornar no meio dominante de comunicação da identidade de uma nação. Se perguntarmos a gerações mais novas que imagem têm de uma Suiça a resposta que iremos obter é: Swatch, Toblerone ou Swiss Army Knife.
E Portugal a que produtos ou marcas nos associariam, se colocássemos a mesma pergunta? Portugal não é um "brand-neutral country" como muitas vezes é referido. Portugal continua hoje, tal como observado por David Ricardo em 1817, a ter vantagens comparativas em alguns áreas tais como o sector têxtil e o sector dos vinhos. E nesses mesmos sectores temos já algumas marcas internacionalmente reconhecidas.

O País de origem (e não de fabrico) pode ser fundamental na valorização do produto. Mas o que sucederia se os consumidores de premium brands como a Hugo Boss descobrissem que parte da colecção da mesma é fabricada em Portugal? Deixariam de a vestir? Não me parece. Já sabemos o quanto é díficil marcas portuguesas serem percepcionadas lá fora como boas ou de prestígio, como tal a única solução é ir “à boleia” destas marcas internacionalmente reconhecidas (mas cujos produtos foram fabricados em Portugal). O que nos permite um trabalho do posicionamento na mente dos consumidores, de que os valores positivos (qualidade e confiança) associados a um país de origem podem ser os mesmos que os do país de fabrico. E como corolário reforçar a notoriedade e prestígio de algumas marcas nacionais já posicionadas no mercado estrangeiro (como o Mateus Rosé e a Vista Alegre) e abrir o caminho para outras marcas nacionais em fase de ascenção (estratégia actualmente defendida pelo ICEP).

No entanto, temos que ter sempre em mente que para convencermos os outros países da qualidade e fiabilidade das nossas marcas temos que primeiro convermo-nos a nós portugueses: pioneiros em falta de auto-estima e primeiros a dizer mal daquilo que fazemos. Uma identidade nacional forte potencia e legitimiza o esforço colectivo. Tal como observa Geoff Mulgan: "You can't reshape national realities without reinventing national identity". Talvez devessemos começar por aí.

Sobre o nosso turismo:
Diz-nos o ICEP: "O turismo é um sector importante na economia portuguesa, devido à mão-de-obra que absorve, às receitas que gera e ao seu considerável contributo para o PIB". A questão central que se coloca hoje e sempre é que estratégia e que posicionamento queremos adoptar para promover o turismo português? Ou vamos continuar a apostar nos "tabuleiros" todos?

Os especialistas na matéria e seguindo as ideias de posicionamento de Ries & Trout defendem que devemos criar uma categoria onde possamos ser os primeiros, onde nos passamos distinguir dos outros. No entanto obter elementos diferenciadores não é tão fácil como parece e quando a teoria não acompanha a realidade devemos então, mudar a teoria e não a realidade.

Percepção vs Realidade
Portugal ainda é visto como um país simpático, “easy-going”, com um clima ameno, de serviços e hospitaleiro. Ou seja, a percepção dos turistas não anda longe da realidade. A costa e as praias portuguesas continuam a ser um driver da nossa oferta e posicionamento turístico. No entanto, para muitos a costa Mediterrânica dos nossos vizinhos, a Cote d'Azur francesa, as praias gregas e a ainda por explorar e com um tremendo potencial costa Adriática, constituem alguns dos destinos turisticos de preferência e dificeis de competir com.

Um possível caminho?
A imagem global de Portugal tal como Henrique Agostinho (Sociedade Ponto Verde) a sumarizou é a de um "país do conforto". Somos um país confortável que "vende roupa, do tipo desportivo casual, roupa para ir para a esplanada e para ir passear à beira mar, nada de roupa de moda que isso é para os italianos". Como tal e em perfeita sintonia com o Henrique subscrevo a sua estratégia de apostarmos no "comércio do conforto" e no turismo de 3º idade.

Portugal, se quisermos posiciona-se realisticamente como a Flórida dos "Estados Unidos da Europa". Diz-nos o Henrique com uma acertada ironia: "se recebermos 100.000 reformados (o que não é nada, só a Alemanha deve ter entre 10 a 20 milhões de reformados) aumentamos 5% do PIB. Na Europa do norte uma reforma média vale 300 contos por mês:100.000*12meses*300= 360 milhões de contos de receita ano = 5% do PIB". E conclui: "A esse dinheiro (que está disponível porque não existe ninguém a apostar a sério neste cluster) juntava-se todo o efeito de contágio dos produtos nacionais ... Os filhos, sabendo que Portugal é o país do Conforto, comprariam português sempre que o conforto fosse o atributo mais importante)".

Será?
"Discover the undiscovered" - este é um insight e uma natural apetência que o povo anglo-saxónico (e outros povos do norte da Europa) têm e gostam de colocar em prática quando chegam a uma certa idade. É um nicho de mercado óptimo para explorar e onde Portugal pode muito bem competir e dar cartas. Desde a Costa Vincentina à Costa Minhota, até ao interior Transmontano ou Alentejano, temos muito para oferecer. Muito mais interessante do que tentar canalizar os recursos num target jovem que de ano para ano muda o seu destino de férias, porque não fixar um target a tempo inteiro com uma reforma para investir em paz e sossego?

Not so simple ...
Obviamente que descobrir uma categoria onde possamos ser os primeiros ou diferentes e vende-la ao mercado não é tão simples quanto a teoria sebenteira - porque é o mercado, são os consumidores que definem sempre que categoria é essa, aonde é que uma marca se encaixa (seja um país ou um sabonete de linha). O que é preciso é um trabalho prévio de "category-need", comunicar essa necessidade aos consumidores. Mas essa "category-need" já existe e com um tremendo potencial - só temos que a transferir para Portugal.

Ora parecendo-me que o turismo sénior é crucialmente estratégico e vital para Portugal, subscrevo uma vez mais a boa ideia do Henrique Agostinho.

NOTA: Texto de opinião assinado por Sérgio Henrique Santos.

[Síntese do texto publicado no site do Compromisso Portugal]